Quando andam pelas ruas, Bruno Mazzeo e Lucio Mauro Filho são abordados pelo público constantemente. Nas conversas, no entanto, muitas pessoas são sinceras até demais e dizem que, na verdade, gostavam mais dos pais deles, os saudosos Chico Anysio e Lucio Mauro. Tais manifestações que, para muita gente, poderiam ser motivo de frustração, para os dois amigos viraram inspiração para um espetáculo. A comédia “Gostava mais dos pais” estreia amanhã no Teatro Casa Grande, no Leblon.
— Ouço a frase “gostava mais do seu pai” de várias maneiras diferentes e praticamente todo dia. Tem quem venha me cumprimentar só para falar sobre ele, dizer que sou filho de um ídolo — compartilha Mazzeo, garantindo lidar com tranquilidade com a eterna comparação: — Sempre fui muito seguro do que queria e realmente isso nunca foi um peso, nunca me senti cobrado. Sempre tive noção do tamanho do meu pai, então, tentar me comparar ou correr atrás dele seria até covardia comigo.
Assim como o amigo, Lucinho é bem resolvido com o fato de ser filho de um dos grandes ícones do humor brasileiro. Justamente por isso, ele e Mazzeo fazem uma crítica bem-humorada na peça a essa constante comparação.
— Eu e Bruno crescemos artisticamente ouvindo essa frase de modo corriqueiro, e ela nos persegue até os 50 (risos). Graças a Deus, somos tranquilos em relação a isso. Quem conhece nossos pais, com certeza, concorda com essa frase. Os filhos são bons, mas os pais são fantásticos! “Gostava mais dos pais” tem a dupla função de homenageá-los e de criar uma curiosidade em quem não conhece ou não tem a real dimensão da relevância desses dois grandes artistas.
Além de inspiração na carreira, Chico Anysio e Lucio Mauro deram um superempurrão na amizade entre os dois atores, que veem o ciclo se perpetuar:
— Éramos os filhos dos amigos, mas a amizade ficou ainda mais forte entre a gente nos 20 anos. Agora, nossos filhos também já são amigos. Tudo vai ajudando para essa parceria continuar — conta Lucio Mauro Filho, que completa: — A gente se diverte um com o outro e se admira. Conheço até a respiração do Bruno.
Mazzeo confirma:
— A gente poderia ter essa amizade e não ter a química. Mas a gente gosta das mesmas coisas, temos uma intimidade absoluta. A gente se entende com o olhar.
Em cena, os atores interpretam cerca de dez personagens que contam as suas histórias de vida misturadas com temas contemporâneos, como as barreiras impostas ao humor e a dificuldade de encontrar os seus lugares na era digital, a cultura do cancelamento, a instantaneidade das viralizações e as fake news.
— Tenho 47 anos e fui criado fazendo um tipo de trabalho, mas agora vivemos um novo momento, com uma nova maneira de consumir não só o humor, mas a dramaturgia como um todo. São vários desafios e incertezas e a óbvia tentativa de se adaptar, não ficar para trás. Não quero deixar a essência de lado nem ser o tiozão do TikTok. Tenho uma certa noção do ridículo. Não me vejo fazendo dancinha, sou tímido. Acho que não é a minha e não seria genuíno — resume Mazzeo.
Lucio Mauro, que completou 50 na última terça-feira, também fala do esforço para se manter atualizado.
— Cresci vendo os amigos do meu pai caindo na armadilha do saudosismo, dizendo que o novo era ruim, que na época deles é que era bom. Ficaram rancorosos e magoados com as mudanças. É um perigo dessa nossa profissão. Mas tenho o cuidado de saber o que está acontecendo e também tenho filhos jovens (Bento, de 21, Luiza, de 19,e Liz, de 4), então fico antenado.
Apenas pai
Bruno Mazzeo conta que, apesar da fama e popularidade de Chico Anysio, para ele, o humorista era apenas pai.
— Apesar de ser um cara com muitos fãs, para mim ele era o meu pai, com qualidades, defeitos e contradições. Era quem brincava comigo e me mandava escovar os dentes — simplifica o ator, afirmando que pensar no pai o faz refletir sobre a passagem do tempo: — A gente tem que ir se adaptando às nossas limitações, mas também se aproveitar da sabedoria. Se eu pudesse voltar ao passado com a cabeça de hoje, eu acharia maravilhoso, mas infelizmente a vida não tem ensaio.
Preparação em casa
Lucio Mauro Filho revela que seu pai o preparou para a vida artística desde cedo.
— Bem novinho, comecei a demonstrar que queria ser ator mirim. Ele era diretor, poderia me ajudar, mas não quis. Fiquei chateado, mas aquilo fez com que eu fosse buscar sozinho. Aos 14 anos, comecei a estudar teatro e consegui meus primeiros empregos. Hoje, vejo que ele foi genial em ter sido duro comigo, porque logo me tirou a ilusão de que ser artista era moleza. Qualquer tristeza que senti naquela época foi apagada ao perceber o grande favor que meu pai me fez. Hoje enxergo com clareza.